Profissionais avaliam se Brasil deve aproveitar desenvolvimento da área para formar mão de obra especializada
Embora possa parecer abstrata, a ciência quântica está presente no LED que ilumina as telas, nos chips baseados em semicondutores que fazem funcionar o computador, o tablet ou o smartphone, e no laser que alimenta a fibra óptica que envia todos os bits de um dispositivo para o outro. E, para produzir essas tecnologias, é preciso Engenharia.
“Quando falamos em tecnologias quânticas, estamos nos referindo à segunda geração, ou 2.0. Nela, o software (sistema) é quântico e, assim, demanda que o hardware (parte física) seja capaz de explorar propriedades não presentes no mundo clássico. Aí sim é que avançamos no desafio de implementar em sistemas físicos as ideias novas sobre essas tecnologias”, explica o professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (Imecc/Unicamp) físico-matemático Marcelo Terra Cunha.
O engenheiro quântico
O perfil deste novo profissional vai exigir uma mentalidade de aprendizado contínuo, adaptando-se continuamente aos avanços rápidos. “Isso será um grande diferencial porque este campo está em constante evolução e é, hoje, o que vem apresentando o maior desenvolvimento científico e tecnológico de todas as áreas de conhecimento”, afirma Borges.
“O que irá tornar
os engenheiros
quânticos
especiais será sua
capacidade de
resolver problemas
complexos e
suas habilidades
técnicas que permitirão
que sejam capazes
de traduzir
conceitos para uma
variedade de aplicações,
impulsionando
assim a inovação
e o avanço
tecnológico em
diversos campos”
Ben-Hur Viana Borges - engenheiro eletricista
O cenário mundial
É neste cenário que a Engenharia Quântica surge e cresce no mundo todo. O Eng. Eletric. Heverton Bacca Sanches, conselheiro do Crea-SP e coordenador adjunto da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica (CEEE), conta que o assunto tem sido bastante discutido porque traz novas perspectivas de evolução tecnológica, possibilitando maior precisão, velocidade de processamento, criptografia e simulação computacional. “Simulações que, hoje, demoramos anos para processar, poderiam ser feitas em horas com um computador quântico”, comenta.
Por isso, segundo ele, agricultura, automação, computação e comunicação podem se beneficiar – e muito – dessa ascensão. Com o avanço dessa revolução que, há pouco tempo, parecia coisa de ficção científica, a procura por profissionais aumenta, o que levanta a discussão sobre a necessidade ou não de se criar uma graduação em Engenharia Quântica. Para o diretor de Educação do Crea-SP, engenheiro civil Paulo Cesar Segantine, essa pode ser uma ótima oportunidade. “O Brasil é grande consumidor dessas tecnologias e, portanto, também deve se tornar um criador e exportador, integrando e criando um ecossistema mundial de cooperação”.
Primeiro curso do Brasil de Engenharia Quântica
O Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP) pode ser o primeiro do país a ter o curso. Por lá, existe um grupo trabalhando para isso e quem o coordena é o professor engenheiro eletricista Ben-Hur Viana Borges, em colaboração com docentes de outras unidades e institutos. “A criação de um curso de Engenharia Quântica é importante porque visa atender a uma demanda crescente por profissionais qualificados, que é inexistente no Brasil e na maior parte do mundo. Com o avanço rápido das pesquisas e aplicações comerciais, a academia se preocupa com a formação de recursos humanos”, explica.
Enquanto isso não acontece, uma solução que está sendo implementada na USP de São Carlos é o primeiro Certificado de Estudos Especiais em Engenharia Quântica (CEEQ), vinculado ao curso de Engenharia Elétrica, tanto na ênfase de Energia e Automação quanto na de Eletrônica. “Buscamos disponibilizar aos estudantes interessados um conjunto de disciplinas moderno e atualizado, de forma a dotá-los das ferramentas necessárias para atuar em uma área com enorme carência”, detalha Borges.
Regulamentação de um novo título
A regulamentação de um novo título profissional, no entanto, pode esbarrar em outras questões. O engenheiro civil Osmar Barros Júnior pondera que o cadastramento de um curso junto ao Crea de jurisdição só pode ser feito depois que o seu reconhecimento no Ministério da Educação (MEC) é solicitado. Já os Conselhos Regionais exigem uma série de documentos que são encaminhados à Comissão de Educação e Atribuição Profissional (CEAP) do Confea.
O que implica em uma avaliação minuciosa do projeto pedagógico, da relação de docentes e sua adequação às disciplinas ministradas, das funções aplicáveis e de qual Câmara Especializada é mais adequada para a categoria. “É aberta uma consulta pública com duração de 60 dias para buscar subsídios para a melhor análise do processo”, diz o conselheiro federal suplente das Instituições de Ensino (IEs) de Engenharia no Sistema Confea/Crea e Mútua.
Outra saída seria incentivar cursos de Engenharia a adotarem um currículo que inclua a Teoria Quântica. “Com isso, estudantes podem se tornar profissionais do ramo antes mesmo de o curso existir”, diz Cunha. Mas, por enquanto, tanto no Brasil, como mundo afora, o foco ainda está na pós-graduação para egressos de diferentes formações originais.
[Originalmente, o artigo reproduzido foi publicado na revista oficial do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo, Crea SP]